“Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor da pele, passado ou religião. As pessoas aprendem a odiar, e se elas podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, porque o amor chega com mais naturalidade ao coração humano do que seu oposto.”

Com atualmente 4,3 milhões, esse é um dos tuites mais curtidos do Twitter, um post do ex-presidente Barack Obama que usa uma das grandes citações de Nelson Mandela para expressar seus sentimentos frente a marcha de neonazistas em Charlottesville que aconteceu em 12 de agosto de 2017, em que uma senhora morreu e deixou dezenas de feridos.

Passados quase 3 anos desse motim, nos vemos novamente diante de uma situação semelhante, onde pessoas morrem e são feridas devido a esses pensamentos retrógados de superioridade de raças, religiões, orientações sexuais, gêneros e etnias.

Sempre pensamos no esporte como espelho da sociedade, com isso devemos nos perguntar como os envolvidos nele tem lutado e conscientizado as pessoas sobre essas discriminações raciais. De acordo com os dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol (Perfil criado para monitorar e divulgar casos de racismo e ações afirmativas no futebol brasileiro) de 2014 à 2019 tivemos 234 casos de racismo que foram denunciados e que se tornaram públicos, ou seja, esse número pode ser muito maior, tendo em vista que nem todos os casos são denunciados pelas vítimas ou divulgados pelas mídias.

Dentre esses casos, alguns se tornaram altamente divulgados, como foi o caso do goleiro Mário Lúcio Duarte Costa, também conhecido como Aranha, que à época jogava pelo Santos quando foi alvo de racismo durante o jogo contra o Grêmio pela Copa do Brasil em 2014. Câmeras captaram por diversas vezes torcedores entoando sons de cunho racistas, direcionado ao goleiro que indignado recorreu ao árbitro da partida, que nada fez no momento além de rebater o goleiro, dizendo que ele estava insultando a torcida que o agredia com palavras pejorativas de cunho racistas.

Importante salientar que o goleiro teve todo o apoio e suporte do clube a qual defendia durante todo o processo da denúncia, que culminou na eliminação do time gaúcho do Grêmio e em uma multa de 50.000 reais aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Algo interessante a se comentar também é que o clube já tinha sido penalizado por atitudes racistas, quando parte da arquibancada fez coro de “macaco” para o então zagueiro do Internacional, Paulão. Na ocasião, o clube foi multado em 80.000 reais.

Voltando ao caso do Aranha, no mesmo ano, o goleiro voltou a jogar na Arena do Grêmio e pasmem, passou o jogo inteiro sendo vaiado pela torcida.  Embora tenham participado de diálogos com torcidas organizadas para abolir termos racistas, muitos torcedores e inclusive alguns dirigentes não conseguiam ver Aranha como vítima, muitos o acusavam de causar toda a confusão que resultou na eliminação do clube, muitos acreditavam que Aranha deveria ter reagido calado ao insultos que lhe foram direcionados.

Há inúmeros casos que mostram que após as denúncias e todas as comoções que são geradas, suas consequências sempre ficam com as vítimas que têm seus patrocínios cancelados, seus empregos ameaçados, seus projetos não são aprovados, suas pautas ignoradas, seus salários cortados, suas promoções negadas, suas famílias ameaçadas e até correndo risco de mortes.

Entretanto, o problema infelizmente vai muito além do futebol. Em 2016 Kaepernick foi o precursor de um movimento na NFL, se recusando à ficar em pé durante o hino nacional americano, executado antes da partida contra o Green Bay Packers, em protesto contra a violência sofrida pela população negra. O ato se repetiu 16 vezes naquela temporada. O jogador, um dos grandes nomes da NFL, foi boicotado por times e não entra em campo desde a temporada 2015/16.

Em novembro de 2019, ele chegou à participar de treinos com a presença de olheiros das equipes da liga profissional de futebol americano dos EUA, mas as atividades não renderam um contrato ao quarterback. Houve um consenso de que Kaepernick manteve o desempenho demonstrado nos anos de 49ers, mas ao que tudo indica, a volta do quarterback nunca ficou limitado ao que ele faz em campo.

Outro caso que também teve repercussão foi a da Rafaela Silva, medalhista de ouro no Jogos Olímpicos do Rio-16. Em 2012, nas Olímpiadas de Londres, foi eliminada na fase prévia após um golpe irregular, o que gerou inúmeros insultos racistas.
Em uma outra ocasião, Rafaela falou sobre uma abordagem discriminatória que sofreu da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Em resposta, a assessoria da Polícia Militar divulgou um comunicado desvalorizando as “insinuações” de preconceito sofrido pela atleta.

Se esse tipo de manifestação racista ainda acontece com uma campeã olímpica, que dirá com outros milhares de negros que não têm a mesma visibilidade?

Esses casos exemplificam bem um dos grandes desafios da luta contra o racismo, é necessário ter apoio e coragem para fazer uma denúncia contra qualquer tipo de discriminação, seja ela de racismo, xenofobia, homofobia, machismo ou qualquer outro tipo de preconceito. Todavia é necessário compreender que por mais que tenhamos avançado e que seja mais divulgado e cobrado, a culpa nem sempre será atribuída aos responsáveis e que em muitas ocasiões a pessoa que denuncia acaba sendo alvo de chacota, de vitimismo e de usar de um episódio triste para se autopromover.

Quando falamos de racismo e manifestações pelo direito de minorias, fica claro que o importante é entender que existe um racismo intrínseco, que é o responsável por perseguir atletas, técnicos, jornalistas, entre outras pessoas negras, depois de seus posicionamentos a favor da luta antirracista.

Foi assim com Aranha, foi assim com o Diogo Silva, foi assim com Colin Kaepernick, foi assim com Rafaela, foi assim com Tchê Tchê, foi assim com Reinaldo, foi assim com… Paulo Cezar Caju, Lula Pereira, Tinga, Ronaldinho Gaúcho, Hulk, Daniel Alves, Wellington, Renatinho, Luiz Adriano, Cristóvão Borges, Taílson, Dentinho, Lucio, Dida, Márcio Chagas, Paulão, Marino, Arouca, Antônio Carlos, Oliveira, Assis, Maicon, Reinaldo, Jefferson, Baiano, Gil, Francis, Victor, Bruno Alves, Gabriel Jesus, Marquinhos, Vinicius Junior, Renê Junior, Messias, Wagner, William, Anderson Campos, Evanildo Natalino, Wender, Uesclei Regison…

Quando paramos para ouvir, entender, analisar e discutir podemos ver que não são somente 234 casos, são pessoas, são sonhos, são histórias, são famílias, são amigos, são colegas, independente de raça, religião, orientação sexual, gênero. Precisamos ter diálogo, é preciso ser ouvido, entendido, ter empatia, dar voz para aqueles que querem e que podem falar, que tenham conteúdo para compartilhar e com isso, quem sabe o quanto antes possamos aprender com a dor e luta do próximo.

Somente o respeito e o diálogo, poderão nos levar a uma sociedade mais humana onde atos de discriminação contra qualquer grupo e/ou pessoa sejam somente um trecho de uma história que foi entoada durante os anos passados de nossos ancestrais.

Cobramos tanto que o próximo não seja ou cometa atos dessa natureza, mas por muitas vezes somos nós mesmos que os cometemos. Portanto deixo essa pergunta para que possamos fazer esse exercício de reflexão:

Será que em algum momento você tem ou não teve atos ou pensamentos, mesmo que sejam inconscientes, de discriminação racial?

#Vidas negras importam!